Terminamos

Luiza Luka
10 min readMar 16, 2024

Eu gosto muito de estar atenta ao que a Vida está querendo me mostrar. Quando digo Vida — com esse V maiúsculo, é porque posso duvidar sobre muitas questões dos mistérios e da espiritualidade, mas a sincronia é algo que eu não duvido. Então, acredito que as coisas não acontecem por acaso e que se a gente prestar atenção e seguir o flow podemos aprender com o que a Vida nos oferece.
Percebo, por exemplo, que é comum a Vida me deixar rodando em alguns ciclos, voltando em alguns mesmos assuntos, em uma repetição sem fim. E confesso, muitas vezes escrevo para organizar o que observo e talvez, quem sabe, encontrar as saídas dos labirintos, aterrando o que tem voado pela cabeça.
Eu me separei no ano passado e não foi um término desses que rola uma conversa ou uma briga, cada um vai para o seu lado e a vida segue. Meu término foi um processo sofrido que se estendeu por meses, com várias brigas e varias etapas. Em parte, porque eu não queria acreditar que tudo aquilo estava acontecendo, neguei por muito tempo que não haveria mesmo saída. Em parte, por medo do que viria. Em parte, porque achava que eu precisava cuidar da outra pessoa. Saí de casa e não montei uma nova casa. Escolhi (também por medo, preguiça de montar uma casa nova e desejo do novo) passar por uma fase nômade. Aprender a me sentir em casa em muitos lugares, reaprender o que era casa para mim e o que é importante em uma casa para mim. E assim estou, há quase um ano.
Não por acaso — acredito eu, desde o inicio do ano tenho encontrado muitas pessoas que estão se separando também. É amigo de uma vida toda, é amigo que não falava há anos e reapareceu, é gente que conheci numa saída de um filme ou durante um curso on line, é amiga de infância, é amiga de um ano pra cá… Uma infinidade de afetos meus tem terminado suas relações, que por sua vez tinham modelos, tempos e acordos bem diferentes. Mas todos os 8 relacionamentos, por fim, terminariam nessses últimos 75 dias.

Essas conversas no bar, na pizzaria, num almoço, pelo whats app, na casa de alguns deles, no carro… estas diversas conversas tem me mostrado que por mais diferente que sejam os contextos, a gente sempre se repete. Os discursos, os medos, os traumas, as raivas, os ciclos… costumam ser bem parecidos no final das contas. Aquela tal humanidade compartilhada, que falamos tanto nos processo de compaixão e não violêcia. Resolvi então redigir aqui algumas coisas que tenho organizado a partir destas conversas, alguns conselhos que recebi ou que tenho dado e que talvez quem sabe, possam ajudar estas ou outras pessoass que estão passando por términos. Ou até, me ajudar em um próximo término, vai saber.

  1. Abrir mão de entender tudo
    É comum, logo depois de o término acontecer, a gente entrar em uma obsessão em querer entender o que aconteceu. Querer entender os porquês da pessoa agir como agiu, tentar mapear quando foi que tudo se quebrou, quando foi o começo do fim. Buscando sempre uma última conversa, o último ponto final ou qual foi a curva que as coisas desandaram. Como se achar esse ponto de virada fosse dar pra gente a possibilidade de voltar no tempo e consertar as coisas e talvez não falar aquela frase, cuidar mais da relação do que cuidamos, falar o que ficou faltando. É como se a gente pudesse evitar o fim. Mas a verdade é que todo fim é um processo, é sempre um acúmulo de coisas e não uma única ação de uma única pessoa que termina uma relação. Desapegar dessa racionalização de entender é dificil, mas necessária.
  2. Culpa e autoperdão
    Ainda nesse processo mental, também tenho visto ser comum a gente cair em dois lugares: a culpa é toda minha ou a culpa é toda daquele(a) “babaca”. Mas eu sinto te dizer, que dificilmente a culpa é 100% de alguém, por mais tentador que seja cair nesse lugar. Todo mundo tem a sua responsabilidade na história — seja pela ausência, seja por aceitar tudo e não se posicionar… é importante sim você entender a sua responsabilidade no processo. Inclusive para aprender e não repetir em outras relações, mas dê tempo ao tempo. Quando a gente fica no fluxo da culpa… de julgamento, da ideia de vilão e de mocinho/a, como se tudo fosse binário e simples (cof, nunca é!), a gente se vitimiza ou vitimiza o outro, ficando preso na história. Entender a nossa responsabilidade é também entender as nossas limitações e se olhar com verdade. A gente fez o que pode, a partir das ferramentas que a gente tinha. É bem injusto se julgar no passado com os olhos de hoje. Afinal, depois de passar tudo que passou, você aprendeu e você também mudou. Olhando de longe é bem mais fácil pensar em caminhos diferentes. Mas lembre que lá atrás você provavelmente não tinha essa visão. Se perdoe por decisões que agora você considera que foram ruins.
  3. Não tem emoção certa, não tem emoção errada
    Tem gente que depois de um término se sente aliviada. Tem gente que se sente muito triste, ansioso — tanto pela animação do que está por vir, quanto com medo do que está por vir. Não tem emoção certa, não tem emoção errada. Só lembre que você não é as suas emoções. Elas vão te atravessar, elas precisam atravessar… não se agarre demais, não julgue o que você está sentindo, deixa ir. O luto de um fim pode trazer sensações dicotômicas e tá tudo bem. Procure dar nome as coisas e deixa-las passar. Somos todos seres complexos e as memórias tem multiplas cores de sentimentos — como nos ensinou aquele desenho Divertidamente, sabe? Se permita chorar até cansar. Procure coisas que te façam rir. Deixe ir.
  4. A raiva necessária
    Dentre as infinitas emoções, queria falar de uma em especial: a raiva. Porque eu tenho muita dificuldade de lidar com ela? também. Mas a raiva, segundo a comunicação não violenta, vem sempre como um sinal de uma necessidade nossa que não está sendo atendida. Pois bem, é claro que em um término haverão várias necessidades não atendidas: de segurança, de justiça, de afeto, de pertenciamento... Então assim, a raiva vai vir. Permita-se. É claro que isso não significa agir a partir da raiva, sendo agressivo/a com o outro. Mas deixar o corpo sentir a raiva, assumir que é raiva e deixar passar. Quando eu era bem nova, uma amiga querida me disse que não é possivel ir do amor à indiferença. Que como em um pêndulo, é preciso bater um pouco do “outro lado” do amor, na raiva/no ódio, para ai sim as coisas chegarem em um equilibrio. Fez sentido pra mim, espero que faça para você.
  5. Fale, escreva, conte de novo
    Quando a gente conta uma história a gente se ouve. Quando a gente reconta uma história, ouve outras pessoas comentando ou só de se sentir ouvido a gente resignifica o que viveu. É o principio da psicologia — o que recomendo fortemente também. Mas independente de você fazer ou não terapia, coloque essa experiência para fora. Se você não é muito das palavras, coloque no corpo — vá correr, nadar, praticar uma luta. Se você não é da escrita — busque outras formas de se expressar, desenhando, pintando, bordando. Escolha algum jeito de esvaziar o peito. Eu juro que vai ser bom no fim.
  6. Quando há violência
    Vejo muitas feministas com dificuldade de se reconhecerem em relações abusivas e violentas. A gente fica numa arrogância de eu sei como funciona, não cairia nesse lugar. Mas simplesmente não é verdade. Também vejo homens que não se percebem em relações abusivas, porque afinal, é homem. Mas a gente vive numa sociedade estruturalmente violenta e por mais educadas que a gente seja sobre o assunto isso não nos deixa imunes. Especialmente nós, mulheres, que somos ensinadas a cuidar sempre de todo mundo. Mas para além disso, também sustentamos a ilusão de que as violências só acontecem em relacionamento heterosexuais e que o homem sempre é o violento. Mas sem sempre. Há relações abusivas entre duas mulheres, há relações abusivas heterosexuais em que a mulher é quem manipula a história, há relações abusivas entre dois homens. Aprenda a identificar os sinais, peça ajuda e saia de perto o quanto antes. Não alimente a ilusão de que você irá “resolver” o problema dessa pessoa e que ela deixará de ser violenta. Acredite no seu medo e não na ideia de que as coisas vão passar. Aceite também, que uma relação dificilmente será abusiva do inicio ao fim e que as vezes uma relação abusiva ou tóxica também te deu ótimos momentos na vida, que te ensionou um monte. Uma coisa não exclui a outra.
    E lembrando: xingamento é violência, quebrar outras coisas na casa é violência, não deixar a pessoa sair é violência, descredibilizar é violência, isolar a pessoa dos amigos ou da família é violência, invasão de privacidade é violência, qualquer tipo de ameaça é violência, chantagem emocional é violência.
  7. Terminamos, mas porque ela/o continua sendo escroto/a?
    Acredito que grande parte do nosso sofrimento acontece por causa das nossas interpretações sobre os fatos e não pelos fatos em si. Sendo assim, as coisas podem mudar muito de figura se mudamos o ângulo pela qual olhamos para elas. E é muito comum a gente interpretar a atitude de um ex como “fez para me atacar”, “fez para me irritar”, “fez para se vingar”… e tudo isso só alimenta a raiva que a gente pode estar sentindo. E se a gente olhar essas atitudes de um jeito menos autocentrado? Tipo: ele fez porque ele/a quer se defender, porque ela/e acha que é o melhor caminho. Outra pergunta importante é: se enquanto vocês estavam juntos havia uma atitude que te irritava, porque você acha que agora que terminaram a pessoa pararia com isso? Um olhar que costuma me ajudar é, sempre que vier a tal atitude repetir pra mim mesma: foi por isso, foi por isso que a gente terminou. Transformar as atitudes escrotas em lembretes do porque vocês decidiram se seprar ajuda a sustentar a decisão e a ter uma paz no coração da decisão.
  8. Evite contato (quando possível)
    Eu sei que há situações que não é possivel cortar contato com a pessoa e situações que a gente não quer fazer isso por uma infinidade de motivos. Especialmente quando há guarda compartilhada de crianças (ou de pets), não tem como tirar a pessoa da vida. Mas quanto menos contato, quanto menos você se meter na vida dela (e vice e versa), melhor será. Pelo menos por um tempo. Até o corpo reaprender novos caminhos, novos gostos, novas maneiras de estar no mundo.
  9. O que é que eu vou fazer com esse tempo livre?
    Quando a gente se relaciona, especialmente quando moramos com a pessoa, ela passa a ocupar um espaço enorme no nosso dia a dia. Se separar pode gerar uma grande sensação de vazio e solidão. Faz parte. Aos poucos você vai descobrido de que maneira quer ocupar (ou não) esses espaços.
  10. Se (re)conheça
    Todo o processo da relação e do término transforma a gente. A partir disso, é importante descobrimos o que essa nova pessoa gosta de fazer, como ela gosta de se vestir, quais lugares ela gosta de ir… se abra para essas mudanças. Corte ou pinte o cabelo, faça uma tatuagem nova. Não tem problema se parece clichê. Tudo isso ajuda a gente a começar a enxergar a nova fase que se anuncia. Em relações é muito comum a gente abrir mão de partes da gente, nas negociações de meio do caminho… redescubra o que é importante para você e reaprenda suas prioridade.
  11. Volte para o inicio
    As vezes, para estar em determinadas relações, a gente se desconecta muito de quem a gente é, de coisas que são importantes pra gente, de práticas ou valores. As vezes o processo de término faz a gente se sentir meio impostor e desalinhado com esses valores. Especialmente, se nas brigas você foi acusado(a) de algo que vai muito contra o que você acredita. Se algo assim aconteceu, volte para o começo. Qual foi o primeiro livro que você leu sobre esse assunto importante? Qual foi a primeira atividade ou o primeiro curso? Quem são as pessoas que compartilham desse valor / dessa luta, que podem te ajudar a lembrar os porquês de ter escolhido esse caminho, quem podem te ajudar a validar o que te importa?
  12. Novos (ou velhos) afetos
    As novas relações vão vir — mesmo que a gente jure que nunca mais vai se relacionar com ninguém. Mas preste atenção também para não entrar “rapido demais” em uma nova relação, só pada preencher o vazio e sair projetando um monte de frustração. O melhor caminho, tem me parecido buscar mais os amigos, a familia, afetos que sejam seguros para você. Pessoas que você pode ser quem você é, por inteiro, sem performance. Que vão te acolher nesse processo de sofrimento, que não vão te julgar pelas suas escolhas e que vão te ajudar a se reconectar contigo.
  13. Não tem prazo
    Em um término que vivi, determinei que eu tinha um mês para sofrer. Depois disso, cortei o cabelo e fui andar de bicicleta crente que a partir dali seria vida nova. Um mês de “vida nova”, me caiu várias fichas importantissimas sobre o relacionamento que precisaram ser faladas, sofridas, terapeutizadas. Falhei miseravelmente no meu prazo. E vejo muita gente falhar também… porque o luto não obedece o tempo do relógio. A gente às vezes sofre por muito tempo por relações que foram curtas. E sofre quase nada de tempo por relações longas. A nossas sociedade acelerada, das redes, do audio em 2x, cria pra gente a ilusão de que precisamos superar rápido. Mas o que é superar? (Falei um pouco sobre isso em um texto sobre o luto da morte do meu pai, aqui). Seja gentil com você, se coloque em movimento, não se cobre tanto.

Tudo passa. Tudo sempre passará. Confia. :)

E se você tem uma amiga ou amigo que está passando por um término, foque na conexão com a pessoa. O acolhimento e o processo de diminuição de sofrimento acontece quando percebemos que não estamos sozinhos, que somos compreendidos e aceitos, que podemos confiar que não seremos julgados (mesmo que as nossas decisões pareçam duvidosas). Seja suporte e não alguém que fica só apontando os erros.

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Luiza Luka

Mobilizadora do q for preciso, tecelã de redes, taróloga em movimento, facilitadora e questionadora em busca de (se)desenvolver e transformar o mundo..