Por que eu detesto me apaixonar?
eu gosto do mergulho no encontro. sou chegada as profundezas e o apaixonamento me convida a entrar de cabeça. e coração.
gosto do frio na barriga quando vou encontrar a Paixão, do mistério que fico buscando desvendar, mesmo tendo a certeza de que o mistério de uma existência jamais será desvendado.
mas gosto muito da busca. gosto de me entregar ao desejo, sabendo que ele é insaciável. gosto de me sentir saboreando a Paixão como quem se lambuza com um prato muito saboroso. gosto de caminhar nas fronteiras da fusão que a intensidade de uma Paixão provoca. saber o risco talvez deixe tudo mais excitante.
mas quando me apaixono, me irrito comigo mesma. reclamo das decisões que tomo, péssimas, me digo. resmungo me chamando de otária, iludida, choro de raiva ou de medo. detesto o foco mental ficar onde o coração bambeia e não onde (acho) que precisa estar. me sinto vulnerável demais, como se houvesse medida limite para tal. e me contradizo das tantas vezes que defendi que a vulnerabilidade é esencial.
reservo toda a gentileza do meu olhar à Paixão. acabo sendo cruel comigo, querendo antecipar o momento em que a Paixão vai terminar, que a desilusão vai vir, que eu vou me frustrar. aguardo ansiosa e quando acontece, me digo te avisei. eu sei que o fim sempre vem. a Paixão é um túnel e quando a gente sai dela, os olhos doem com tanta claridade-realidade.
uma amiga me disse: mas a paranóia também não é uma ilusão? ficar acreditando no que a gente imagina de ruim, também é se enganar. me pegou. para tentar me proteger de uma ilusão, crio tantas outras. teorias da conspiração de que aquela Paixão não é tão interessante / tão bonita / tão legal / tão inteligente quanto meu olhar encantado diz que é. que ela não pode estar tão envolvida / encantada / apaixonada qunto me parece estar também…
escuto: é reciproco!
duvido.
quase que por hábito de fugir de viver com a Paixão.
me alivio,
talvez eu não esteja sozinha. ufa.
mas o que que é real então?
qual é o oposto da ilusão?
qual o oposto da Paixão?
dentre me iludir, colocando purpurina na realidade ou me iludir procurando a lama suja e fedida, o que é melhor? será que a realidade não é a purpirina e a lama, juntos, numa média dos dois?
e o que eu escolho fazer durante o processo de atravessar esse túnel?
“Quando eu era criança, o maior luxo para mim eram os casacos de pele, os vestidos longos e as mansões à beira-mar. Mais tarde, passei a achar que o luxo era ter uma vida intelectual. Agora me parece que é também a chance de viver uma paixão, por um homem ou por uma mulher.”
Trecho do livro “Paixão Simples” de Annie Ernaux.