Não monogamia e o caminho nada linear da construção das relações

Cultivando afetos, desconstruindo padrões, mas sem perder a ternura

Luiza Luka
3 min readAug 8, 2020

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Em qualquer relacionamento existem marcos — às vezes sutis, às vezes nem tanto. Que mostram o caminho que estamos percorrendo: um pedido de namoro, uma briga, um término, uma conversa importante, apresentar para a família.

Nos relacionamentos amorosos tradicionalmente monogâmicos o que se espera é uma escada rolante ascendente rumo a um destino único: o felizes para sempre (como se ele existisse). Não é possível dar passos para trás nas decisões tomadas. Não é possível ficar anos em um mesmo “patamar”. A decisão é binária: seguir o fluxo ficar-namorar-casar ou terminar a relação.

Viver relacionamentos não monogâmicos, por outro lado, é mais do que abrir mão da exclusividade. É também desconstruir os padrões relacionais. É repensar essas regras que a gente sempre entendeu como óbvias, é criar as nossas próprias regras.

Mas sinto, que nesse processo, na ânsia de quebrar padrões, a gente acaba não tendo atenção para alguns processos. Acreditamos que por confirmarmos que não existe o felizes para sempre, devêssemos abrir mão de qualquer tipo de romantismo. Gerando até umas sensações de culpa/vergonha por acharmos que não deveríamos querer/sentir isso ou aquilo. Percebo que, várias vezes, tentando sair de algumas caixas que a sociedade nos coloca, a gente acaba criando novas caixas e nos fechando nelas.

Em um relacionamento anárquico, por exemplo, que se propõe a não ter nome e a olhar para a relação como um todo e não só a troca afetiva/sexual… quando é que a relação começa? Quando que a relação termina? Ela termina de fato? Mas se o propósito é a liberdade, não poder terminar não é uma prisão?

Os relacionamentos não existem em um vácuo de tempo-espaço, não estão imunes às questões externas, sociais, familiares. Como seres humanos a gente dá nome as coisas para que possamos falar delas em comunidade, a gente dá nome as coisas para que elas existam socialmente. Por tanto, dar nome a uma relação ajuda com que ela exista no mundo. Faz com que de alguma forma as pessoas tenham mais dificuldade de ignorá-la. No caso de relacionamentos que fogem da heteronormatividade, dar um nome a relação, pode ser um ato político. Dar um nome, pode ser a quebra da estrutura.

De qualquer forma, na construção de qualquer relação é importante a gente se ouvir e ir tomando cuidado para não criar esses novos padrões aprisionadores enquanto fugimos de alguns outros. Fundamental a gente se entender antes de decidir seguir qualquer nova regra.

Eu, por exemplo, gosto bastante de observar as minhas relações. As observo como se fosse narradora da minha própria história, como se estivesse o tempo todo registrando-a em um livro ou escrevendo um roteiro. Gosto de olhar para o passo que está sendo dado, agora. Sem pirar no que eles podem significar, sem projetar todos os próximos 10 passos seguintes, sem criar suposições. Olhar para trás e ver todo o caminho percorrido até aqui, os tropeços, as flores que enfeitaram o caminho, que foram colhidas. Gosto de admirar cada curva, cada recuo, cada elevação. Observo.

Vou criando assim os marcos únicos de cada relação, momentos especiais que são minhas lembranças preciosas. O primeiro eu te amo despretensioso. O convite firme para estar junto. Se sentir à vontade de dividir uma conta. Uma decisão tomada em conjunto. Contar para os pais da relação. Dividir um segredo. Dormir juntos, confortavelmente. Agendar férias junto. Uma surpresa. Uma ligação chorando. Um pedido de ajuda.

Assim vou criando novos marcos, reconhecendo o que importa para mim e para cada parceire, celebrando cada passo juntes. E você? Se permite reconhecer e celebrar esses marcos?

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Luiza Luka

Mobilizadora do q for preciso, tecelã de redes, taróloga em movimento, facilitadora e questionadora em busca de (se)desenvolver e transformar o mundo..