Escrever, criar raízes e voar

Luiza Luka
5 min readDec 22, 2023

Lembro de que no começo a escrita surgiu pra mim de dois lugares. Um era a escrita-obrigação, demanda da escola, que eu gostava. Inventava histórias doidas (como de um passarinho que viajava em um espaço sideral de doces, balas e outras comidas), fazia as resenhas de livros com prazer, e adorava as aulas de redação e biblioteca. Alguns destes textos foram guardados por minha mãe e fazem a gente dar gargalhada até hoje.
O outra é a escrita-que transborda. Essa vem de um lugar muito íntimo, quando as emoções não cabem mais no peito e ganham asas virando poesia, proza, declaração de amor, desabafo. Essas, muitas vezes, vem no papel e são regadas com lágrimas. Por duas vezes na vida esse meu espaço-sagrado, vulgo caderno-diário, foi violado e pessoas que não deviam e não foram convidadas o adentraram, quebrando minha confiança, criando uma ferida. Das duas vezes foi dificil voltar a confiar naquele caderno, na minha escrita, no poder de escrever, na cura que me produz.
Com a vida seguindo a escrita foi tomando outros significados. A escrita para o trabalho, com suas regras e estratégias. A escrita para a academia, com suas normas insuportáveis e citações. A escrita de relatos de viagens, para guardar na memóra momentos incríveis. A escrita para produzir arte, que mesmo me sentindo impostora de me colocar como artista, ela existe sim.
Aqui, no medium — e nos blogs que tive antes, acabo muitas vezes misturando esses processos e tendo a trasbordar, artisticamente, reflexivamente. Faço um exercício de colocar a dor no palco e de compartilhar a digestão de alguns aprendizados. Um amigo muito amando diz que eu tenho uma vibe de bastiã da moralidade e sei que alguns desses textos podem soar assim mesmo. Mas juro, juradinho, que por mais que eu compartilhe as minhas reflexões, elas são muito mais parte do meu processo do que para ditar qualquer norma. Quando escrevo, assento. Quando digo que aprendi, reafirmo internamente que conclui aquela lição. Quando divido, ouço comentários de quem me lê, afirmo (ou não) cada palavra. Repenso.
Sendo assim, nessa véspera de aniversário, resolvi plantar aqui alguns dos aprendizados do meu ano. Para que eles deem folhas e frutos no ciclo que está por vir. Se te ajudar de alguma forma, se te gerar alguma reflexão, ótimo. Se não, tudo bem também…

Até porque, uma das coisas que comecei a aprender esse ano é que as minhas intenções podem ser as melhores, que eu posso seguir todos os acordos, andar dentro das quatro linhas do jogo e que isso não me torna imune a represálias. As pessoas vão fazer o julgamento delas, vão acreditar no que querem, vão mentir, vão olhar as coisas por onde escolhem/conseguem olhar, podem não querer ouvir ou não ligar para as intenções. E que isso, não é minha responsabilidade. Mesmo que eu tenha que lidar com algumas consequências…

Com isso, aprendi esse ano também a ter menos apego sobre o que as pessoas vão pensar de mim. E como isso doeu. Aquele desejo de ser amada, de ser admirada e muito dificil de colocar de lado. Mas é aquela famosa frase de que não dá para agradar gregos e troianos ou que nem Jesus agradou todo mundo… pois é. Inclusive, muita admiração pode ser perigoso. A queda do pedestal é alta e dói.

Saquei também que às vezes, tentando ajudar alguém, acabamos impedindo que a pessoa aprenda, se vire e que seja ela mesma. Pessoas que como eu, que tendem a ser pró-ativas e controladoras, muitas vezes vão resolvendo o problema dos outros, sem dar a chance deles resolverem por si só. A curto prazo, pode até ajudar. Mas a médio-longo prazo, acaba tirando a oportunidade da pessoa encontrar o próprio caminho. Fora que cansa à beça.

Também comecei a entender esse ano que os contextos mudam, as pessoas mudam. Algumas relações são circuntanciais e vão deixar de estar presentes se o contexto mudar. Isso não significa que não foram relevantes em um momento da vida. Entendi inclusive que pode doer quando a gente percebe o engano...

Essa eu aprendi na Bienal de Arte de São Paulo: buracos negros ajudam a restaurar o universo. Eles tem muita força de gravidade, muita força de atração, que parece o fim. Mas na verdade é expansão. Como uma mangueira de bombeiros tentando encher uma tigela de cachorro, nada pára lá dentro, a água é arremessada anos luz e nada fica. Assim é alguns buracos que a gente entra na vida: parece o fim, parece que tá tudo acabando, mas na verdade arremeça a gente longe. Para um novo começo.

Conversando com um amigo, na estrada, exclamei: “a vida inteira, pra sustentar uma paz fora, eu ignorei quando não estava em paz dentro. Eu não quero mais fazer isso. Se não estou com o coração em paz, não vou fingir para os outros que está tudo bem.” E na verdade, eu já tinha entendido isso fazia tempo, mas esse ano consegui aplicar e olha: é bom. Buscar esse alinhamento, a sensação de coerencia.

Entendi esse ano que às vezes pequenas atitudes nossas podem criar um mundo para outra pessoa. Há tempos ajudei uma amiga e encontrar uma terapia, não me custou muito, foi coisa rapida. Mas foi algo tão transformador, que 6 anos depois ela ainda agradece e me conta sobre como aquilo foi um divisor de águas para ela.

Por último, um aprendizado que tive também durante os meus 33 anos é de me tratar melhor. Para esse aprendizado, eu tive a luxuosa cia do Cris Ramalho, facilitando o Treino do Cultivo da Compaixão. Há tempos percebia como que eu conseguia ser compreensiva, ter compaixão com os outros, mas era muito cruel comigo. Minha cabeça era um inferno de se viver, sempre com altas cobranças, criticas duras e condenações. Trabalhar a autocompaixão em meditações e reflexões tem me ajudado a me acolhar, respeitar meus tempos, entender meus limites e lidar melhor com as crises. Uma dinâmica que tem me ajudado é: eu falaria assim com a minha(meu) melhor amiga(o)? Então porque estou falando assim comigo mesma?

Bom, é isso. Sementes jogadas ao solo. Que voem por ai. Que criem raíses. Que amanhã o sol volta pro mesmo lugar que estava quando nasci e um novo ciclo se inicia por aqui. Até.

--

--

Luiza Luka

Mobilizadora do q for preciso, tecelã de redes, taróloga em movimento, facilitadora e questionadora em busca de (se)desenvolver e transformar o mundo..