Crônicas do Mundo em Transição #05

Sobre as conversas que eu queria ter antes da quarentena

Eu queria te dizer que esse seu plano restrito de que só iremos nos encontrar em nossos desejos uma unica vez por ano, não vai rolar para mim. Eu tava levando na piada, achando graça, até entender que para você estava serio. Não faz sentido não é porque quero mais ou porque quero menos vezes, não me entenda mal… mas porque a restrição sobre o desejo não está fazendo sentido para mim agora. Eu tenho optado pelo fluxo e pela liberdade. Gosto de tê-los como companheiros dessa caminhada. Acho que impor essa limitação é uma tentativa sua de controlar a nossa relação, controlar as nossas trocas e isso não faz sentido.

Eu queria te dizer que eu fiquei muito magoada com a nossa última conversa e que eu não quero que você fale nesse tom comigo. Eu tentei usar a CNV, eu tentei me vulnerabilizar e só levei porrada sua. Tá doendo ainda. Estou tentando te perdoar, mesmo desacreditando nessa ideia de perdão, em que sempre existe um culpado. Mesmo que eu secretamente te culpe, não quero que você se culpe, talvez eu saiba que parte da culpa desse nó é minha. Whats app, definitivamente não é o melhor meio de comunicação para a gente ter conversas delicadas. Acho que você nunca ouviu aquele meu áudio de mais de 10 minutos né? Não deve ter tido tempo, imagino. Mas é isso. Ainda estou machucada, não sei que relação quero ter. Perdi um tanto da confiança que tínhamos construído.

Eu queria te dizer que eu super topo esse desafio. Estou super aberta para aprender coisas novas, crescer aqui dentro e acho que essa é uma super oportunidade para isso. Algumas mudanças nesse momento serão ótimas. Tenho certeza que irão me motivar. Vou dar o meu máximo.

Eu queria te dizer, que aqueles sonhos que compartilhamos em janeiro de viajar juntos… sabe? Pensei que aquela viagem a gente pode fazer em julho. O que você acha? Tem um amigo morando no nordeste, gostaria de te apresentar para ele… acho que podemos alugar um carro e subir o litoral. Você se incomoda de dirigir sozinho? Toparia tirar férias nessa mesma época, comigo?

Estes são alguns fragmentos de conversas que ensaiei ter antes da pandemia. Quando planejar viagens para os próximos meses fazia sentido. Quando eu estava ansiosa por mudanças, e não cansada delas. Antes das brigas todas serem colocadas em perspectiva diante da morte. Quando eu tentava controlar o controlador para não controlar o incontrolável. Tão irônico pensar, que já fez algum sentido pla-ne-jar.

A falta de perspectiva assusta. A falta de noção de qual terrenos iremos pisar nos próximos tempos faz com que tudo que foi planejado anteriormente esteja em suspenso. Não que em algum momento a gente tivesse algum controle sobre o futuro… nunca tivemos. Mas a gente podia se consolar com a ilusão de que tudo continuaria mais ou menos como era antes. Agora, parece que nossa finitude está constantemente piscando na nossa cara em neon.