Colagem: Limites e Fronteiras feita por mim

Acordos e limites nas relações

Luiza Luka
5 min readAug 13, 2023

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Se você já explorou conversas sobre Não Monogamia, relacionamentos livres e a construção de relações saudáveis, certamente esbarrou nos conceitos de acordos, em contraste com as regras, muitas vezes veladas da monogamia. Essas regras, enraizadas nas histórias transmitidas ao longo do tempo via antepassados, cinema, literatura e propagandas, estão entranhadas em nosso subconsciente. As regras são impostas. Não há espaço para transforma-las, flexibiliza-las de acordo com a realidade que está sendo vivida. A principal delas é a exclusividade afetiva e sexual, mas há diversas outras, como a obrigatoriedade de prestar contas. Elas refletem uma dinâmica de poder, onde permitimos que o outro tome decisões sobre a nossa vida.

O cerne dos acordos reside na clareza e no diálogo mútuo, representando limites conscientemente estabelecidos. Não se trata de suposições, pois agir unilateralmente sem assumir os próprios desejos de maneira franca não equivale a um acordo. É apenas fazer o que se quer — mantendo a lógica de poder. A verdadeira base dos acordos é o diálogo, a honestidade, a coragem, o respeito mutuo e a abertura para construir caminhos conjuntos. É preciso diálogo. Muito diálogo. Checagens e alinhamentos constantes. Compartilhamento de poder, co-criação.

Acredito que cada pessoa tem direito de criar seus próprios acordos em suas relações, moldando-os conforme o desejo, o momento, as inseguranças de cada um e possibilidades de cada um dos envolvidos. (E ficar na internet patrulhando a relação e os acordos dos outros é só tóxico e chato.) Afinal, estabeler relacionamentos dentro dessa lógica é também buscar mais autonomia, apesar da estrutura limitante que nos foi ensinada. É entender que é processo — e cada um tem o seu.

Mas e quando esses acordos são quebrados?

Dentro da lógica da monogamia “clássica”, o rompimento e a punição são caminhos bem comuns. Mas os acordos (à principio) são mais maleáveis. Por terem sido combinados, na intimidade daquela relação, construídos de forma artesanal, é possivel recombinar, reacordar, repensar, refazer. Mas na prática, é possível mesmo?

Quando a gente está magoado, machucado, a gente consegue ter energia e flexibilidade para toda essa reconstrução? Quando falamos sobre acordos ou regras que são quebrados, estamos falando também sobre a quebra de confiança. Você esperava que a pessoa respeitasse aquele acordo e não foi isso que aconteceu. E é muito difícil lidar com a frustração, perdoar (a si e ao outro), ter empatia, não querer a punição quando estamos magoados.

Então, acredito que o primeiro passo é olhar para si, fazer uma autoinvestigação e entender a própria disponibilidade interna para fazer esse movimento. Você quer deixar isso para trás agora? Você quer reconstruir os laços de confiança? Ou talvez precise de um tempo, de espaço para sarar essas feridas antes de começar o processo de reconstrução? Você ainda tem energia para colocar nessa relação?

Quando vamos repensar os acordos, algumas perguntas que acredito serem importantes são “O que esse acordo está querendo cuidar? Qual necessidade, de cada um, ele estava tentando atender?” Porque às vezes é só o ego, nossa criança mimada interna dizendo que quer daquele jeito, porque quer. Às vezes mexe em feridas antigas, inseguranças, que a gente mesmo desconhece. Mas que precisam de atenção, de cuidado nosso.
Só depois que olhamos para dentro, acolhermos nossas emoções e temos clareza de onde pega, é que podemos voltar a cuidar dos fios soltos do lado de fora, trabalhando para recosturarar a confiança que foi quebrada. É com a clareza de dentro, que conseguimos trazer para fora as nossas necessidades e os nossos pedidos. E checar se o outro também pode/quer/consegue cuidar das nossas feridas com a gente.

Mas uma certeza que precisamos ter é que os acordos vão ser modificados ao longo da vida. A mudança pode acortecer a partir de um desejo novo. Ou de uma oportunidade que surgiu, uma nova condição. Pode ser a partir da quebra de um acordo, pode ser de uma frustração. Mas a mudança vai acontecer porque a vida não é linear. A vida não acontece dentro de muros, rígidos e estático. Imprevistos acontecem, a vida se impõe. Nem sempre conseguimos prever o que irá nos chatear, como iremos reagir. Por isso, que os limites que colocamos, as fronteiras que criamos devem ter algum nível de maleabilidade, de jogo de cintura. Especialmente se desejamentos continuar a construir cominhos juntos.

E nós vamos sempre negociar os limites?

Não. Não tem como ser maleável o tempo todo e para sempre. O bambu, que com o vento everga, se dobra todo, quebra diante do facão que o atravessa. A água tanto bate, até que se despedaça, vira areia e deixa de ser pedra. Se transforma no processo, se desgasta com o tempo. Tudo nessa vida pode quebrar, pode morrer, pode acabar. A certeza da morte, do fim é a única que a gente tem na vida.

Nas relações, se há algo que constantemente machuca tem uma hora que é preciso se retirar. Se os acordos são constantemente desrespeitados, perdoados, mas apenas por um lado, isso significa que a dinâmica de poder se mantém. E ai, se constroem as relações de abuso. Um pode tudo, o outro precisa perdoar tudo, abrir mão de tudo.

Para isso precisamos entender os nossos limites e confiar que não somos super-heróis, salvadores, que iremos passar por cima de qualquer atrocidade em nome do amor. Somos gente, de carne, osso, sangue, doeres e alegias. Nosso corpo tem uma fronteira com o mundo, que é a nossa pele, tem limites de elasticidade, dados pelos nossos ligamentos e músculos. Porque achamos que o nosso coração é infinito e pode suportar tudo? Não pode.

Na minha experiência pessoal, não lembro de quebrar grandes acordos nas relações afetivas que vivi. Acordos que foram verbalizados, aceitos por mim e pelo outro, são bem importantes para mim e busco cumpri-los com intereza. Quando a vida acontece, tento negociar, conversar, envergar, me esticar. Gosto de conversar sobre as relações e busco sempre o diálogo, o perdão, a empatia, a compaixão (por mim e pelos outros). Mas a verdade é que muitas vezes considero mais a dor do outro que a minha e vou desgastando os ligamentos. Acredito demais na minha força de superação, até que não entro em estafa e preciso ir embora. Também aprendi nesses processos que os acordos nem sempre serão suficientes para nos precaver de uma decepção.

Essa semana, a Natália falou um pouco sobre isso no podcast Pra Dar Nome às Coisas no episódio “Nomeie seus incomodos”. A diferença entre limites restritivos e limites que nos estimulam a ir um pouco mais, a crescer um pouco mais. Ouvi, me indentifiquei e fiquei com vontade de colocar no mundo essas outras reflexões que tem me vindo nos últimos tempos.

E para você, como é isso? Como você lida quando os acordos são quebrados? Você consegue ouvir, respeitar e comunicar os seus limites?

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Luiza Luka

Mobilizadora do q for preciso, tecelã de redes, taróloga em movimento, facilitadora e questionadora em busca de (se)desenvolver e transformar o mundo..