A Caravela de Expectativas

Luiza Luka
5 min readJul 1, 2019

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Brega mesmo, porque não?

Eu nunca gostei muito de me apaixonar. Sempre associei isso a perda de controle, a dependência emocional e a ilusão. Achava tosco as pessoas que se apaixonavam a cada esquina, aquele papo romântico de amor a primeira vista e tudo mais. Mas a vida é ótima. E sempre faz a gente morder a própria língua e lá estava eu, boba boba, me declarando apaixonada 5 dias depois de conhecer o sujeito. Nunca antes isso tinha acontecido. Foi só ele elogiar o meu perfume depois de eu dar uma espreguiçada, no meio de um dia de trabalho e pronto. Eu só pensava nele.

Mas uma boa clássica história de amor não pode ser simples: ele tava com viagem marcada para o outro lado do mundo. A ideia era ficar um ano direto por lá. Três anos estudando. O desejo era não voltar. Claro que isso nos encheu de medos, inseguranças e tentamos evitar de se relacionar. Mas também uma história clássica de amor precisa de clichês e um dia eu falei: “prefiro me arrepender da gente ter ficado junto por pouco tempo, do que me arrepender de nunca ter deixado acontecer.” Não parece fala de comédia romântica? Pois é.

Ficamos juntos por dois meses e ele foi embora. É aí que começa a história da minha caravela! Preenchíamos o vazio da saudade sonhando juntos um futuro hipotético. Ele me escrevia cartas, textos em blog, mensagens de texto com sonhos para a gente. Eu respondia no mesmo tom. E eu ia transformando cada sonho numa madeira, numa corda, em um prego. Cada nome de filho escolhido, cada ideia de decoração para a casa que um dia viveríamos, cada ideia de passeio que poderíamos um dia fazer juntos. Cada uma dessas expectativas eu fui materializando internamente e construído uma grande caravela de expectativas.

Ele acabou voltando para o Brasil, decepcionado com o outro lado do mundo, perdido sobre o que fazer em terras brazilis. Eu coloquei ele dentro daquela caravela que construí e continuei a navegar com ela, sem perceber que ele nem sabia direito onde ele tava. Que não adiantava eu contar as histórias antes sonhadas juntos a distância, que não adiantava eu cobrar que ele seguisse o plano. Ele tinha mudado, eu também — por mais que estivesse muito apegada aquelas expectativas todas. Um dia ele pulou na água e saiu nadando em outra direção. Acho que percebeu que não queria mais aquele roteiro, aquela caravela, aquele plano de navegação.

Entrei numa raiva e numa tristeza profunda. Porque ele nem tentou mudar a rota? Porque não negociou comigo mudar a velocidade? Mudar as cores das paredes, trocar alguns pregos, mudar alguns cômodos dos nossos sonhos?! Porque não recriamos juntos os sonhos que eram nossos?

A caravela ficou quase mal assombrada, vazia, quieta, triste, à deriva. Ela era grande demais para que eu ficasse nela sozinha.

Até que encontrei um outro rapaz. Gente boa, querido por todos, trabalhador, carinhoso, talentoso. Me encantei de novo e o conquistei a entrar naquela caravela comigo. No inicio a gente só fazia planos até a distância alcançar, mais ou menos por três meses. Tomamos cuidado para não projetar de mais, não sonhar longe de mais… Mas a caravela tava lá, prontinha. Troquei as cores das velas — umas coisas mais coloridas tinham mais a ver com ele. Reduzi a velocidade, mudei algumas rotas. Adicionei alguns instrumentos no salão da caravela para ele se sentir mais em casa, mais confortável com aquilo tudo. Ele não queria tanto ter filhos assim… e descobri que, naquele momento, eu também não. Assim a caravela foi ficando um pouco mais leve, mais colorida, mais lenta, mudando a direção.

Mas ainda era uma caravela, cheia de expectativas.

Navegamos juntos algum tempo. Deixei ele levar o leme por um tempo. Levei eu, por outro tanto. A caravela aos poucos foi perdendo a cor, alegria e a fluidez de seguir o vento. Aos poucos o vento foi ficando frio. As musicas a bordo eram melancólicas demais, em tom menor. E me vi, sem saber o que fazer com aquele trambolho de caravela.

Decidi parar a viagem. Estacionar no porto e… pensar, com calma e sozinha no que fazer.

Por um tempo, confesso eu só olhava para aquilo tudo e me perguntava: onde que eu tava com a cabeça de criar tudo isso? Quando foi que achei uma boa ideia carregar tanta expectativa, por tanto tempo? O que caralha eu faço com essa porra agora?

Não soube por um bom tempo e fiquei ali no porto, sentada, remoendo um tanto de mágoa. Desfazendo parafuso, por parafuso. Reclamando para mim mesma dos que estavam bem presos. Triste quando encontrava alguma madeira carcomida ou uma vela rasgada.

Até que um amigo me disse: você sabe que não precisa ficar só aí no porto, olhando o passado, lamentando o passado, sem viver nada novo, né? Rolam uns jet skis por ai, vai dar uma volta com alguém, vai se divertir pelo menos. Depois você retorna para esse processo de desconstrução… e descobre o que fazer com tudo isso. E descobre o que você quer.

Tive que concordar. Aos poucos comecei a dar uma olhada em volta, nos outros barcos do porto. Eram barcos de diversos tamanhos… tinham transatlânticos imensos, rígidos, pesados. Tinham Iates altivos, claramente luxuosos, rápidos, com diferentes funcionários a serviço. Tinham botes salva vidas, usados apenas em emergências, mas pouco seguros para viagens mais longas. Tinham os tais dos jet skis que não são usados para viagens, apenas para dar uma volta e brincar um pouco. Quanta variedade!

Percebi que algumas embarcações eram comandadas sozinhas, por uma figura hierárquica que decidia a rota e articulava todos os outros tripulantes. Mas encontrei também embarcações que dependiam de parceria entre os tripulantes. Uma canoa de dois, por exemplo, se não remarem juntos, numa mesma direção, ninguém sai do lugar. Alguns daqueles barcos a vela, de competição funcionam da mesma forma… os comandantes precisam se articular, planejar estar juntos.

Algumas expectativas são inevitáveis.. mas como conduziremos elas nesse marzão? qual é o apego que temos as rotas traçadas? qual é a nossa disponibilidade para abandonar o que não serve mais? para modernizar nossos sonhos?

grata por você ter lido até o fim. ❤

deixe quantas palminhas para expressar o quanto você gostou. quanto mais claps, mais eu sei que você curtiu o texto ;)

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Luiza Luka
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Written by Luiza Luka

Mobilizadora do q for preciso, tecelã de redes, taróloga em movimento, facilitadora e questionadora em busca de (se)desenvolver e transformar o mundo..

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